Internações de Bolsonaro têm informações conflitantes sobre gastos
A Secretaria-Geral disse que as faturas com os custos das internações de 2019 a 2021 "não foram apresentadas"
As sucessivas internações do presidente Jair
Bolsonaro (PL) no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo,
envolvem versões conflitantes da unidade e do governo federal sobre os
pagamentos, o que expõe um problema de transparência em relação aos gastos com
a saúde do mandatário.
Bolsonaro foi diagnosticado com obstrução intestinal, mas não precisou fazer procedimento
cirúrgico para resolver a complicação no intestino, fruto
da facada desferida na eleição de 2018. Houve
ainda uma cirurgia para retirada de cálculo na bexiga em 2020. A internação mais
recente, de segunda-feira (3) a quarta (5), foi em razão de uma obstrução
intestinal ligada a sequelas do atentado.
O jornal Folha de S.Paulo, que já vinha solicitando detalhes das
hospitalizações anteriores, obteve respostas divergentes da Secretaria-Geral da
Presidência da República –uma via LAI (Lei de Acesso à Informação) na terça (4)
e outra via assessoria de imprensa nesta sexta (7)– e da assessoria do Vila
Nova Star.
Na mensagem de terça, a Secretaria-Geral disse que as faturas com os
custos das internações de 2019 a 2021 "não foram apresentadas pela
instituição prestadora do serviço até a presente data" e que, portanto,
havia a impossibilidade de detalhar o assunto.
Ainda na manifestação por meio da LAI, a pasta afirmou que essas
informações foram disponibilizadas pelo Gabinete Pessoal do Presidente da
República.
O pedido da reportagem não incluiu a hospitalização deste mês porque foi
feito em dezembro de 2021, antes que ela ocorresse.
Já o Vila Nova Star, que pertence à Rede D'Or São Luiz, afirmou em nota
na quarta-feira que as contas hospitalares referentes às três internações
anteriores "foram devidamente pagas pela Presidência da República, assim
como ocorrerá com essa".
O grupo disse não divulgar valores ou outros detalhes em respeito ao
sigilo que rege a relação entre paciente e hospital. Ao Palácio do Planalto, no
entanto, cabe o papel de esclarecer as contas e meios de pagamento, como fez,
por exemplo, em relação a outras despesas médicas do presidente.
Diante da divergência, a reportagem procurou a Secretaria-Geral por meio da
assessoria, que afirmou que "até o presente momento foi apresentada a
fatura da internação ocorrida no Hospital Vila Nova Star em julho de
2021", no valor de R$ 7.500.
Segundo o órgão, o pagamento foi realizado pelo HFA (Hospital das Forças
Armadas) em 15 de dezembro de 2021 e o ressarcimento pela Presidência ao HFA
"está em fase de instrução". O HFA tem contrato com o Planalto que
contempla assistência médico-hospitalar a integrantes da Presidência.
A Secretaria-Geral não comentou os dados referentes às duas passagens
anteriores. Não foi esclarecido, por exemplo, se as faturas de 2019 e 2020
foram recebidas ou se estão sendo processadas.
Sobre a internação mais recente, atribuída pelos médicos ao fato de Bolsonaro
não ter mastigado corretamente um prato com camarões, a pasta disse que
"as despesas com as internações e os tratamentos do Presidente da
República são ressarcidas, após a apresentação da fatura pelo hospital e sua
validação pelo Hospital Forças das Armadas, pela Presidência da
República".
O órgão afirmou que o procedimento obedece à portaria interministerial
nº 3.073, de 15 de setembro de 2020, que dispõe sobre a assistência
médico-hospitalar prestada pelo HFA à Presidência e à Vice-Presidência da
República.
Como a resposta da LAI falava que nenhuma fatura tinha sido apresentada,
a Folha de S.Paulo questionou a Secretaria-Geral se houve alguma solicitação de
atendimento gratuito ao presidente. O órgão disse desconhecer "qualquer
pedido ou sugestão nesse sentido".
Segundo especialistas em direito administrativo e ética consultados pela
reportagem, caso os tratamentos tenham sido gratuitos, ainda que não haja
irregularidade ou ilícito, há margem para essa impressão. Por isso, afirmam
que, em geral, autoridades não devem aceitar receber benefícios.
A passagem mais recente de Bolsonaro pelo Vila Nova Star, que fica na zona sul
da capital paulista, envolveu ainda custos com um voo fretado para transportar
a São Paulo o médico Antônio Luiz Macedo, que cuida do presidente e estava de
férias nas Bahamas quando o paciente passou mal.
Boatos de que o voo teria sido bancado pela FAB (Força Aérea Brasileira) ou
pela Presidência foram desmentidos. Macedo disse na segunda-feira (3) que o
traslado foi providenciado pelo hospital. No entanto, questionado na quinta (6)
sobre quem pagou o voo e o valor, ele afirmou não saber.
Outra fonte ligada ao Vila Nova Star disse informalmente que o custo foi
assumido pela instituição e não será repassado ao governo. Oficialmente, no
entanto, o hospital não respondeu sobre o assunto.
A Secretaria-Geral, via assessoria, afirmou: "Não dispomos de informações
sobre o meio de transporte utilizado pelo médico no seu deslocamento para o
local de trabalho".
Especialista no aparelho digestivo, Macedo começou a atender Bolsonaro
após a facada em 2018, quando ainda atuava no Hospital Israelita Albert
Einstein, também em São Paulo. Com a transferência do profissional para a Rede
D'Or São Luiz, o mandatário passou a ser tratado no outro estabelecimento.
Inaugurada em 2019, a unidade que recebe Bolsonaro tem padrão de luxo, com
hotelaria considerada de padrão seis estrelas, e possui no corpo médico outras
estrelas, como o oncologista Paulo Hoff, a cardiologista Ludhmila Hajjar, o
infectologista Esper Kallás e o urologista Miguel Srougi.
Macedo, que abriu mão de seus honorários ao tratar o presidente no
Einstein, afirmou fazer o mesmo no atual local de trabalho. "Não cobro do
presidente porque não costumo cobrar nestas circunstâncias. O país me fez
chegar até aqui e minha retribuição é não cobrar do presidente", disse.
O especialista afirmou ainda que também deixa de cobrar de outros
pacientes além de Bolsonaro. De acordo com médicos do hospital ouvidos sob
anonimato, é comum que profissionais optem por atender sem receber seu
pagamento quando prestam assistência a um amigo, autoridade ou colega de
profissão.
O Vila Nova Star, indagado sobre o assunto, disse apenas que "a
equipe médica tem autonomia para definir seus honorários junto ao
paciente" e não informou se outros profissionais que participaram do
atendimento ao chefe do Executivo dispensaram valores.
Mesmo que um médico abra mão da sua remuneração, é comum que o
estabelecimento onde ele dá expediente cobre do paciente os demais custos da
internação.
Foi o que aconteceu na última passagem de Bolsonaro pelo Einstein, entre
janeiro e fevereiro de 2019. A assessoria da Presidência informou na época que
desembolsou cerca de R$ 400 mil para pagar o hospital e que a equipe médica,
chefiada por Macedo, tinha optado por não cobrar seus honorários.
Em resposta a pedido da Folha de S.Paulo via LAI, em agosto de 2021, a
Presidência declarou que o valor da fatura dessa internação foi, na verdade, de
cerca de R$ 315 mil.
De setembro de 2019 para cá, as quatro internações de Bolsonaro foram no
Vila Nova Star. Três foram relacionadas a sequelas da facada que Adélio Bispo
de Oliveira desferiu nele durante um ato da campanha eleitoral em Juiz de Fora
(MG). O autor do crime cumpre medida de segurança desde então.
O presidente estava de férias em Santa Catarina no fim de semana passado
quando relatou dores abdominais. Ele interrompeu o período de descanso, deu
entrada no hospital na madrugada de segunda com uma obstrução intestinal e
falou nas redes sociais sobre uma possível cirurgia.
Macedo, no entanto, descartou a necessidade de intervenção e submeteu
Bolsonaro a um tratamento com dieta líquida e sonda nasogástrica para a
drenagem do suco gástrico acumulado.
Ao dar alta ao paciente, na quarta, o médico explicou que o problema
ocorreu porque Bolsonaro não mastigou corretamente camarões no dia anterior à
internação. Macedo recomendou cuidado com a dieta, mas disse que novas
obstruções podem ocorrer por causa da fragilidade no abdômen devido à facada.
INTERNAÇÕES DE BOLSONARO NO VILA NOVA STAR
Set.2019 - Cirurgia para correção de hérnia incisional
Set.2020 - Cirurgia para retirada de cálculo na bexiga (não relacionada à
facada)
Jul.2021 - Internação por obstrução intestinal
Jan.2022 - Internação novamente por obstrução intestinal
VERSÕES SOBRE OS PAGAMENTOS
Hospital Vila Nova Star disse na quarta-feira (5), via assessoria de
imprensa, que as três primeiras internações "foram devidamente pagas pela
Presidência da República" e que o mesmo ocorrerá em relação à mais
recente, mas não citou valores por causa de confidencialidade
Via LAI, Secretaria-Geral da Presidência da República disse, na
terça-feira (4), que as faturas com os custos das três internações anteriores
"não foram apresentadas pela instituição prestadora do serviço à
Presidência da República até a presente data"
Via assessoria de imprensa, Secretaria-Geral da Presidência disse na
sexta-feira (7) que a fatura de julho de 2021, no valor de R$ 7.500, foi paga
pelo Hospital das Forças Armadas e que a mais recente seguirá o mesmo trâmite,
mas não falou sobre as hospitalizações de 2019 e 2020.
Fonte: BC News